Woman is the nigger of the world

Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br

As flores, as fitas cor-de-rosa do oito de março na televisão, não combinam nada com a feiúra de Silvana. Privada do convívio com minha família, obrigada pelo pai ciumento a renunciar ao tratamento de gente que lhe dispensávamos em nossa casa, Silvana jurou – os olhos inchados, ombros mais pesados do que os panos amarrotados na sacola – nunca mais lavar a privada de outra pessoa. Analfabeta, Silvana provavelmente virou puta.

Imagino a menina dançando, o rosto pintado, bunda seca no vento pra se manter distante da latrina alheia. As lições de bordado e ponto cruz esquecidas ao lado de uma pelúcia, artifício de criança abandonado na agonia da despedida. Não havia mesmo jeito. Não fosse a frieza da rua, os bêbados com o cacete lasso na mão, seria uma penca de meninos, pilhas de roupa pra cuidar e flores de plástico na mesa da cozinha. Obediência e servidão.

A mulher é o escravo do mundo. Educados para lhes atirar pedras, aguardamos, o braço erguido, Jesus Cristo levantar o rosto e perguntar pelos nossos pecados. Não adianta assobiar as canções compostas por John e Yoko na cama desarrumada dos anos 70, guardamos todos alguma simpatia pela burka. Erguemos tribunais íntimos onde condenamos o adultério da vizinha, a saia curta da menina, os modos extravagantes da funcionária pública na repartição. Cinqüenta chibatadas no couro dessas despudoradas em nome da moral!

A mulher é o escravo dos escravos. Ponto final. Não adianta Maria da Penha ficar paraplégica, ser eletrocutada, virar nome de lei. Mesmo em nosso imaginário ocidental, globalizado, contemporâneo, as trancamos no fogo, uma centena de costureiras queimando dentro de uma fábrica em nome do nosso bem estar.